Por Rosinha Martins
Desde os anos 1970,
a Terra Indígena Yanomami (TIY) é cobiçada para a exploração do ouro não
obstante a demarcação realizada em 1992. Com quase 10 milhões de hectares, a
reserva em Roraima, com uma população de cerca de 20 mil indígenas, vive uma crise sem
precedentes que traz à tona o descaso do governo federal nos períodos de 2019 a
2022, de acordo com testemunhas que há anos vivem e labutam na defesa dos
direitos dos Povos e da floresta. Se em 2014 os dados de adoecimento não
superavam 2 mil, em 2022, esse número teve uma alteração de 10 vezes mais.
A extração de
recursos minerais, – como o ouro -, dos solos ou cursos d’água em escala
ilimitada, – associado a organizações criminosas -, por meio de técnicas
manuais ou de maquinários como retroescavadeiras e dragas tem sido a maior
causa da crise humanitária que se instalou entre os Yanomami.
Estudo conduzido
por pesquisadores pelos Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) e da
Universidade do sul do Alabama, EUA, revela que quase todo o garimpo ilegal
(95%), se dá em três terras
indígenas:
Kayapó, Munduruku e Yanomami, a
mais afetada pela ilegalidade.
Rica em depósitos de ouro, soma uma população de 26 mil Yanomami e Ye’kwana,
distribuídos em 321 aldeias.
Não é um cálculo difícil de se fazer para este problema matemático, social, político e ambiental. Nesse meio de campo quem tem mais recursos e forças na disputa, sai na frente. Os garimpeiros, por sua vez, contam com uma megaestrutura favorecida por poderes econômicos, elites locais e o aumento do preço do ouro no mercado internacional, e ainda teve garantido o apoio do governo anterior que, durante o mandato, favoreceu o transito no parlamento de um projeto de lei para regulamentar e abrir as terras indígenas ao garimpo, o que é inconstitucional.
Sentado, padre Bob Mulega junto a outros Missionários e Missionárias da Consolata em missão no Catrimani, RRO missionário da Consolata ugandês, no Catrimani desde 2019, padre Bob Mulega, 34, enfatiza que os garimpeiros, também eles, são vítimas de um sistema de exploração dos povos e da natureza. “Os que atuam nos garimpos ilegais são os mais pobres que não têm outra opção, pois sabemos que no garimpo as condições de vida são péssimas”, conta.
Como uma ferida
aberta no coração da floresta, uma estrada de 10 km que adentra o território
Yanomami para o desmatamento e as grandes crateras abertas que desnudam a
terra na busca de fortuna, tem consequência drástica na vida, na cultura e na
espiritualidade e na saúde física dos povos indígenas e, por outro lado,
uma contaminação sem precedentes que devasta a natureza na sua
limpidez. “Os postos de saúde ficaram desabastecidos de remédios básicos
como dipirona, paracetamol, remédios para tratamento da malária. Mais de 500
crianças morreram por patologias que são curáveis. Abandono completo do posto de saúde
usado como posto de combustível pelos garimpeiros”, desabafa em entrevista o
padre Corrado Dalmonego, IMC, que realiza pesquisa de doutorado sobre os
impactos do garimpo no território.
Como uma rede de violação dos direitos humanos, o garimpo além de prejudicar a saúde por transmissão de doenças e por favorecer a negação dos devidos cuidados, impedindo a entrada de recursos, da presença dos missionários, desestrutura a vida familiar, quando se trata das questões de prostituição imposta às mulheres em troca de benesses.
Quem adentra a floresta tem uma visão de ambição pelas riquezas naturais com o objetivo de obter lucro em detrimento do bem-viver da floresta e das pessoas que ali convivem em harmonia com ela. O garimpo afeta esse modo de vida. Para o padre Mulega, “a vida do povo tem piorado por causa do contato com as doenças que vêm de fora, a extração ilegal que destrói o meio ambiente, falta de assistência e atendimento adequado à saúde”. Uma séria consequência disso é a migração dos jovens indígenas para a cidade que, segundo o missionário os atrai para o mundo das drogas e outros contra valores.
Vale recordar que
juntamente com os povos originários e a natureza, as pessoas que estão com a
mão na massa extraindo o ouro, pobres, marginalizadas, também elas pagam e
pagarão alto preço por suas ações, porque como dizem os antigos, “a corda
sempre arrebenta pelo lado mais fraco”. Mas para a liderança católica, membro
do Conselho Indigenista Missionário
de Roraima (CIMI), Gilmara Fernandes, os verdadeiros responsáveis pela tragédia do garimpo
precisam ser responsabilizados e, do outro lado, o governo precisa dar atenção
aos pobres garimpeiros que estão saindo das terras Yanomami. “Os que estão lá
embaixo, trabalhando no garimpo, os mineiros, são a ponta do iceberg. Aqueles
que dão a logística, a manutenção, a alimentação, que financiam, – que são os
empresários e os políticos -, eles é que precisam ser responsabilizados,
investigados”. Sem essa infraestruta os garimpeiros não conseguem viver dentro
do território.
Ainda, segundo
Fernandes, é preciso se perguntar sobre a vida desses garimpeiros pós- saída
deste trabalho financiado. Em 1993, garimpeiros foram tirados da terra
indígena, porém, se tornaram agricultores, conseguiram acesso à terra, entraram
em projetos de reforma agrária, mas hoje, com a chegada da soja, os valores da
terra aumentaram significativamente. “A maioria das terras em Roraima está
concentrada nas mãos de políticos, empresários, grandes produtores de soja,
sendo impossível comprá-la. Para onde eles
irão, como manterão suas famílias? O governo precisa pensar nessas pessoas que
saem do garimpo e vão para os municípios, que voltam para as suas casas ou vão
para outras áreas de garimpo”, enfatiza.
A vida yanomani por trás das câmeras
Daquilo que as
câmeras não captam, tem conhecimento de causa os missionários da Igreja
Católica que há mais de 50 anos convivem com os Yanomami, no Catrimani.
Para Mulega os Yanomami são uma sociedade bem estruturada à sua maneira, a
partir das suas crenças, do seu modo de conceber a vida e a criação. A forma e
os horários de alimentação, as regras para bem-viver em sociedade, o cuidado com a
natureza, o lugar das mulheres e das crianças, o papel dos homens, tudo tem uma
organização específica que se dá a partir dos valores e crenças daquela
sociedade e que precisam ser respeitados.
Mulega faz um apelo
à sociedade que não veja os indígenas e nem os tratem como pobres coitados, mas
como povo originário que comunga dos mesmo direitos e deveres, da mesma
dignidade, com as mesmas necessidades. “Pedimos que considerem o povo indígena
como pessoas, não como uma espécie numa reserva de pesquisa e que providenciem
políticas públicas de saúde, educação baseada no seu idioma. Precisamos
compreender que a floresta é vida e lugar sagrado para os indígenas”.
Neste contexto,
parece ser fundamental a conversão do olhar e do coração numa abertura ao
diferente, para um encontro, de fato. Caso contrário, uma relação ‘a la
europeia’, aos moldes colonizadores, seja do governo, das pessoas de boa
vontade ou dos donos do garimpo, só tende a aumentar o estrago na vida dos
povos originários, para além do genocídio e do etnocídio que podemos presenciar
em plena luz do dia.
Fonte: https://blog.ssps.org.br/
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